Tive, durante muito tempo, um sonho bonito. Sonho mesmo sonho, daqueles que acontecem durante o sono. Que conseguia voar. Não tinha asas, mas tinha a capacidade de sobrevoar a terra e isso dava-me uma sensação de liberdade inexplicável. Acordava com uma vontade de viver impressionante, ainda a delirar com as imagens que povoavam o subconsciente, de uma noite bem dormida e melhor ainda vivida.
Nunca atribuí grande significado aos sonhos, e a este em particular, mas é quando mais sentimos falta das coisas que reconhecemos a sua importância. É que já não me lembro quando foi a última vez que sonhei que voava e isso, de certa maneira, incomoda-me. Ainda que não me lembre, de manhã, o que aconteceu durante a noite, acordo cansado, com a sensação que adormeci há cinco minutos e que precisava de dormir mais oito horas para repor o equilíbrio mental que o sono proporciona. As preocupações são outras, é verdade, mas nada teria o direito de nos invadir, desta forma tão grosseira, o nosso maior porto de abrigo, o mais ínfimo recanto de intimidade que nos resta, que é o sono. O descanso. É nele que assenta o nosso bem-estar, é ele que condiciona (positiva ou negativamente) o nosso dia-a-dia, é o descanso que contribui fortemente para sermos melhor ou pior pessoa.
Na última noite em que voei (que não sei quando foi), sei que senti-me inseguro e parei no parapeito da janela de um prédio muito alto e tive medo de voltar a voar. Tanto que passei uma vergonha enorme em bater à janela para poder sair dali.
Tenho tanta pena de ter perdido esse sonho... E, acima de tudo, tenho medo de não o encontrar. Nunca mais.
Se alguém o viu por aí, diga-lhe, por favor, que volte a visitar-me. Que entre nos meus sonhos mesmo sem bater à porta. Será sempre bem recebido. Mais do que isso: é incondicionalmente desejado. Pode, depois, voltar a desaparecer para sempre, mas que venha só mais uma vez. Prometo que a fonte das lágrimas não estará seca para comemorar o seu regresso.