sábado, junho 16, 2007

No centro é que está a virtude

Quando achamos que da direita conservadora já nada nos pode espantar, depois das cenas lamentáveis de agressões, politicamente pouca correctas, eis que uma nova pérola surge no noticiário nacional. Sinceramente achei que estava a ouvir mal, mas na SIC Notícias não me parece que tenha sido o caso.
Estava a ouvir uma reportagem sobre o milhão de euros sem origem que surgiram no fundo de apoio ao CDS, quando surge a informação que a Polícia Judiciária tinha detectado, inclusive, nome falsos de pessoas que, supostamente, teria sido incluídas na lista de doadores do partido. Ok, nomes falsos de pessoas já é um crime que terá que ter uma boa justificação (se é que a há...)
Mas o meu espanto surge mesmo quando o jornalista diz um dos nomes que consta da referida lista. Leiam bem. Muito bem:

JACINTO LEITE CAPELO REGO

É verdade. Eu ouvi com estes dois ouvidos que a ciência há-de usar para o que mais necessário considerar, ou para alguém que precise deles. É a pouca vergonha, caros leitores. Além de trafulhas, ainda se dão ao luxo de brincar com o povo português. Sá Carneiro só pode estar a rir-se onde quer que esteja, com Adelino Amaro da Costa a abanar a cabeça ao ver a que tipo de idiotas ficou o seu partido entregue. Ainda têm a lata de lançar o slogan do cartaz na imagem. Com tanta vocação católica dos centristas, é caso para dizer: Deus os ajude!

segunda-feira, junho 11, 2007

Asas do desejo

Tive, durante muito tempo, um sonho bonito. Sonho mesmo sonho, daqueles que acontecem durante o sono. Que conseguia voar. Não tinha asas, mas tinha a capacidade de sobrevoar a terra e isso dava-me uma sensação de liberdade inexplicável. Acordava com uma vontade de viver impressionante, ainda a delirar com as imagens que povoavam o subconsciente, de uma noite bem dormida e melhor ainda vivida.
Nunca atribuí grande significado aos sonhos, e a este em particular, mas é quando mais sentimos falta das coisas que reconhecemos a sua importância. É que já não me lembro quando foi a última vez que sonhei que voava e isso, de certa maneira, incomoda-me. Ainda que não me lembre, de manhã, o que aconteceu durante a noite, acordo cansado, com a sensação que adormeci há cinco minutos e que precisava de dormir mais oito horas para repor o equilíbrio mental que o sono proporciona. As preocupações são outras, é verdade, mas nada teria o direito de nos invadir, desta forma tão grosseira, o nosso maior porto de abrigo, o mais ínfimo recanto de intimidade que nos resta, que é o sono. O descanso. É nele que assenta o nosso bem-estar, é ele que condiciona (positiva ou negativamente) o nosso dia-a-dia, é o descanso que contribui fortemente para sermos melhor ou pior pessoa.
Na última noite em que voei (que não sei quando foi), sei que senti-me inseguro e parei no parapeito da janela de um prédio muito alto e tive medo de voltar a voar. Tanto que passei uma vergonha enorme em bater à janela para poder sair dali.
Tenho tanta pena de ter perdido esse sonho... E, acima de tudo, tenho medo de não o encontrar. Nunca mais.
Se alguém o viu por aí, diga-lhe, por favor, que volte a visitar-me. Que entre nos meus sonhos mesmo sem bater à porta. Será sempre bem recebido. Mais do que isso: é incondicionalmente desejado. Pode, depois, voltar a desaparecer para sempre, mas que venha só mais uma vez. Prometo que a fonte das lágrimas não estará seca para comemorar o seu regresso.

sexta-feira, junho 01, 2007

Entra-me, noite


Fiapos de nuvens rasgam o azul escuro do céu. A noite já ia bem dentro, mas o reflexo da lua não deixou escurecer totalmente o meu tecto ao ar livre. Ao longe, pontos de luz desfocados pelo ligeiro nevoeiro na marginal delineavam bem uma das margens da entrada da barra. Piscam luzes vermelhas e verdes, ainda mais ao longe, que vieram substituir a velha ronca de avisos roucos à navegação! Da linha do horizonte sobressai, imponente, o farol. Nada nem ninguém o consegue substituir, mesmo que as suas funções já sejam feitas por algo mais sofisticado. Três raios intermitentes, com cadência de breves segundos, iluminam a costa.


Chego com raiva e cansado de me sentir assim e só o cheiro a maresia e o suave encosto das águas no paredão libertam-me o espírito. Tremo sem sentir o frio húmido tão característicos daquela zona. É o aroma do mar que entra pela terra, enquanto as traineiras se fazem ao mar pela noite dentro. Mal se ouve o barulho do motor e as luzes seguem rumo à boca da barra, sempre com as luzes vermelhas e verdes a piscar ainda mais ao fundo. Manifestam-se uma ou duas gaivotas mais madrugadoras em horas de repouso. Voo só o do pensamento e razante em águas serenas, de essência inebriante. Faz-me inclinar a cabeça para trás, sem fechar os olhos e ver, de novo, os fiapos de nuvens que não chegam a esconder as estrelas e me faz pensar no dia de sol que ao outro dia ia estar. Inspiro fundo. Sinto e agrada-me a noite a entrar-me por todos os poros.


Entra-me, noite. Embarca-me nessa tua média luz e leva-me nas águas escuras. Mistura-me com as nuvens, dá-me asas como as gaivotas, faz-me silencioso como a traineira e não intermitente como os raios do farol. Acima de tudo, leva-me a raiva e o cansaço de a ter com a maré que não se vê mas se sente e se perde no horizonte. Faz-me a perder. Para sempre.